sábado, 30 de maio de 2009

A UFVJM E SEUS VALES

Ousadia e Entendimento. Como entendimento pode-se entender discernimento e, sobretudo, pacificação. São muitas outras as virtudes do imortal JK, imortal pela sua obra como homem público do seu tempo e no seu tempo, que ocupando essa plenitude não nos deixou órfãos e tão pouco tem a agradecer pelo que ora façamos ou deixemos de fazer, não apenas pela transcendência metafísica da consideração, mas, sobretudo, porque Diamantina e seu povo do Alto Jequitinhonha concedeu-lhe tudo que um ser humano pode almejar: berço, educação, identidade e a virtude da conciliação, esta oriunda, talvez, da atmosfera bucólica que alimenta as belas montanhas do Espinhaço.
Quando cheguei a Diamantina, em 1978, após três rápidas visitas nos dois anos anteriores, foi possível amadurecer as primeiras impressões da essência do povo do Vale do Jequitinhonha que, como os nordestinos do interior, têm pureza d’alma, identidade cultural e bondade. No entanto, como o sertanejo, não buscava, até bem pouco tempo, um projeto de territorialidade a partir das vocações e oportunidades econômicas e isso perpetua o atraso, porque se pensarmos que a inércia e a desorganização decorrentes desse atraso - especialmente da falta de investimento em educação e infraestrutura – temos que admitir que somos, ao mesmo tempo, vítimas e atores de um jogo político bancado por agentes externos.
Nesse contexto, não podemos aceitar a autocomiseração como uma virtude, atribuindo ao divino, ao clima e ao destino a desgraça humana, mesmo porque os antropólogos não aceitam a descendência cultural pelo infortúnio. O quadro de vítimas e atores do infortúnio tem ganhado novos contornos nos últimos anos, agora com as facilidades do trânsito de informações de toda ordem, como também pela politização de tudo como expressão intelectual tendo como pano de fundo ideologias, meio ambiente e claro, eventualmente, a projeção pessoal.
Assim, a monocultura extensiva é sistematicamente condenada, sendo o alvo na região o eucalipto, no entanto, uma outra monocultura de alhures carrega os homens para os canaviais deixando os filhos órfãos e as mulheres viúvas pela maior parte do ano, sem resolver, de fato, seus problemas econômicos e, por outro lado, fazendo-os perder, de certa forma, a identidade de homens do Vale.
A presença de uma Universidade em uma cidade ou região tem o poder de catalisar e encaminhar discussões diversas, assumindo, inclusive, o papel indutor de coordenação dos debates, além de tornar-se uma referência para questionamentos e demandas. A UFVJM tem uma forte identidade regional, não apenas pelo apelo do seu nome, mas também pelo crescente envolvimento com os Vales, notadamente pelo avanço no número de estudantes provenientes da própria região.
A Universidade goza de respeito e consideração em face da sua função intrínseca sustentada pelo seu corpo acadêmico e, sobretudo, pela diversidade de conhecimentos que permeiam e são incorporados à Academia e não por acaso é definida como Alma Mater, a mãe criadora.
Respeito e deferência não implicam em submissão e tampouco em omissão. Entretanto, se membros da própria academia ou da comunidade externa de onde se insere a atacam e procuram humilhá-la, algo está errado – e muito errado. Acender ou fomentar o debate não encontra sinônimo em expressões deletérias à Instituição ou a seus membros e, portanto, os ataques feitos à UFVJM nos últimos meses são motivo de preocupação e apreensão.
Nas últimas semanas de 2008, estudantes e docentes da Casa e profissionais da comunidade externa acusaram de forma deliberada a UFVJM sob o pressuposto de um convênio com a empresa de mineração MMX proteger os interesses desta e, portanto, ter auxiliado na aprovação de seu projeto para a exploração e lavra de minério de ferro nos municípios de Serro, Alvorada de Minas e Conceição do Mato Dentro. Se assim o fosse, nenhum óbice poderia ser imputado à Universidade, considerando que a exploração mineral no Brasil é permitida a qualquer empresa (exceto de minerais radioativos), atendidas as normas vigentes, incluindo as exigências dos órgãos de controle do meio ambiente e ainda mais porque a concessão ao direito de lavra foi consagrada em audiência pública junto à população e comunidades daqueles municípios.
Mas não, mesmo o termo de convênio sendo de domínio público, este não foi solicitado pelos críticos quando poderiam verificar que a sua intenção é promover programas de educação ambiental para a população dos municípios da borda sudeste do Espinhaço Meridional e promover, através de trabalhos qualificados, a recuperação de áreas já degradadas e aquelas que serão mineradas pela MMX. Ou seja, no exercício da sua competência, com financiamento da iniciativa privada, de uma só vez desenvolverá atividades de Extensão, Pesquisa e Ensino que compõem seu tripé de atribuições e, ao mesmo tempo, contribuindo de forma significativa para o meio ambiente.
A perspectiva - e mais o anseio - da implantação de cursos de medicina na UFVJM tomou contornos dramáticos no que concerne às discussões pertinentes, tanto no seio da academia, quanto das comunidades dos Vales e um e outro, em parte, na busca de dividendos políticos de base pessoal que, embora seja admissível nos ambientes e regimes democráticos, os limites dessa postura devem vislumbrar o respeito e a valorização à Instituição e, muito mais, a qualidade na atividade, no serviço e no profissional formado.
A qualidade de qualquer curso superior - e medicina não fogo à regra, ao contrário - não é condicionada a um desejo e sim a um projeto bem estruturado e exeqüível e que para ser transformado em realidade demanda trabalho árduo, sistematizado e com uma pitada de ousadia para ser inovador.
As condições sanitárias e de saúde dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri são precárias e calamitosas, desde a falta de saneamento básico na quase totalidade dos municípios até a ausência de médicos permanentes em grande parte dos municípios dos vales. O advento de um ou dois cursos de medicina nos vales não melhorará, per se, suas precariedades a não ser que seja contextualizado em projeto de desenvolvimento regional vinculado, naturalmente, ao poder público dos municípios e, sobretudo, ao poder público estadual e federal.
Conscientes da realidade dos vales não podemos conceber um projeto que não contemple uma medicina preventiva, coletiva e fundamentada na saúde da família. Não podemos estabelecer um curso que não seja capaz de levar aos seus bancos cidadãos oriundos de municípios dos vales, pois seria bestial admitir que estudantes oriundos dos grandes centros urbanos irão, quando médicos, preencher esse imenso vácuo de atendimento à saúde que permeia os municípios dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri.
Atentos, devemos estar, também, à composição de um corpo docente de qualidade, pois não seria sequer razoável admitirmos um curso amparado por professores sem a devida qualificação acadêmica e tendo a Universidade como exercício do diletantismo nas poucas horas excedentes de seus labores semanais de trabalho. Seria inocente admitirmos que a disponibilidade de vagas para professores adjuntos em regime de dedicação exclusiva atrairá médicos portadores do título de doutor para preenchê-las e, portanto, um planejamento para a devida captação de pessoal docente qualificado é condição sine qua non para a implantação de curso superior de medicina que forme profissionais que venham a zelar, de fato, pela saúde e integridade física de seus semelhantes.
Onde impTamanho da fontelantar curso(s) de medicina no(s) Vale(s)? Teófilo Otoni ou Diamantina, Diamantina ou Teófilo Otoni. Argumento, a uma e outra, não faltam, em Teófilo Otoni por tratar-se de cidade com mais de 100 mil habitantes e prestar apoio ao atendimento médico-hospitalar para todo o Vale do Mucuri e parte dos Médio e Baixo Jequitinhonha. Em Diamantina, porque já existe, na UFVJM, uma base sólida de cursos acadêmicos da área de saúde, também por representar um pólo regional de atendimento médico-hospitalar e, ao que parece, contar com o apoio post mortem do inigualável JK.
Desde que assumi a reitoria, em agosto de 2007, já recebi dezenas de prefeitos e vereadores de diferentes municípios trazendo apelos para a instalação de, pelo menos, um curso superior nas suas cidades, de qualquer área do conhecimento. Em contraste, Diamantina e Teófilo Otoni já dispõem de vinte e três e nove cursos de graduação, respectivamente, pela UFVJM e agora se digladiam pela primazia de acolher um curso de medicina. Essa disputa transcende os conflitos inerentes à Academia, motivando cisões de comissões e histeria de membros da comunidade interna e transpondo os muros da Universidade para alimentar discussões e agressões verbais despropositadas. Não parece racional ou justo que servidores da UFVJM sejam tratados por "biriteiros" em face de se mobilizarem para que o curso de medicina da UFVJM, em sendo autorizado pelo MEC, seja instalado no campus de Diamantina. É legítimo que a Comunidade do Vale do Mucuri e a comunidade acadêmica do Campus Avançado do Mucuri defendam de forma veemente que esse curso de medicina seja implantado em Teófilo Otoni, no entanto, mantendo padrões de civilidade e respeito aos defensores da outra proposta.
Parece viável, tecnicamente e sob o prisma dos investimentos financeiros pertinentes, respeitado um planejamento orçamentário para o próximo exercício, que a UFVJM acolha dois cursos de medicina operacionalizados a partir de um ciclo básico comum, sendo o ciclo profissionalizante exercido nos campi de Teófilo Otoni e Diamantina. Essa proposta vem sendo discutida junto à Secretaria de Ensino Superior do MEC pela reitoria da UFVJM desde julho de 2008.
Estamos convictos de que a união das forças políticas dos Vales do Jequitinhonha e do Mucuri, tão bem como da comunidade acadêmica, o êxito na conquista dos cursos de medicina para os campi de Diamantina e Teófilo Otoni da UFVJM será alcançado em tempo breve, e, no entendimento e pacificação, aí sim, estaremos valorizando a memória de JK. Ao contrário, sendo mantida a postura beligerante por membros das comunidades interna e externa a mobilização ressaltar-se-á como frágil, mesmo contando com apoio político, e assim, propiciando os argumentos necessários ao MEC, como o fez recentemente, em postergar a liberação dos recursos e meios para a implantação dos cursos de medicina almejados.
A significância ou insignificância de cada um depende de sua própria postura e nós não seremos melhores do que nós mesmos senão pelo viés da construção coletiva. Não podemos adiar a construção de Itálicoum novo tempo, de uma nova realidade para os nossos Vales tendo como atores nós mesmos: os habitantes dos Vales, inclusive os políticos e a comunidade acadêmica. A história consagra o poder de transformação da Universidade pela ciência e competências e, como universidade regional, devemos valorizar e maximizar as virtudes da UFVJM como indutora de debates para a definição de projetos e ações visando o desenvolvimento, visando a definição coletiva das vocações, das potencialidades e dos recursos naturais e humanos do nosso território; e que organização política, econômica e social queremos e almejamos.
Usufruiremos da felicidade apenas enquanto em vida e uma parte dessa felicidade pode ser um legado de prosperidade para as gerações futuras. Como epílogo, cabe uma mensagem de um autêntico brasileiro: "Vivi sempre pregando, lutando, como um cruzado, pelas causas que comovem. Elas são muitas, demais: a salvação dos índios, a escolarização das crianças, a reforma agrária, o socialismo em liberdade, a universidade necessária. Na verdade, somei mais fracassos que vitórias em minhas lutas, mas isso não importa. Horrível seria ter ficado ao lado dos que venceram nessas batalhas. Darcy Ribeiro".

Prof. Pedro Angelo Almeida Abreu - Reitor da UFVJM